Entrevista : Memórias da guerra não são longos lutos tranquilos

15:45 by
O historiador Nicolas Offenstadt, que resgatou da obscuridade contemporâneo o debate sobre os fuzilados da Grande Guerra, dando-lhes o direito à memória, defende que a celebração do centenário é UM teste à "carga nacionalista e patriótica" que Ele tem dominado a narrativa sobre este período. 

MIGUEL BANDEIRA Jerônimo (Historiador) 

24/08/2014
Com público.pt

Soldados franceses e ingleses em confraternização
 na Frente Ocidental
COLECÇÃO PORTUGAL NA GRANDE
 GUERRA/ARQUIVO HISTÓRICO MILITAR
La Grande Guerre. Carteira du Centenaire (2014), de Nicolas Offenstadt e André Loez e apoiado Pela Missão du Centenaire de la Première Guerre Mondiale, é talvez o livro mais original e estimulante escrito recentemente sobre o Assunta. Sem a pretensão de produzir umha síntese ou endossar UMA única narrativa ou olhar histórico, NEM tao pouco UMA Mensagem comemorativa, esta é umha obra rigorosa no conteúdo, provocadora na organizaçào e no ambiente, primorosamente ilustrada e, ao mesmo tempo, marcadamente Pedagógica. 

Constitui assim UM extraordinário volume que combina rigor histórico com umha capacidade invulgar de Comunicação pública. Cumpre UMA funçao cívica Sem menosprezar o protocolo científico, evitando ceder a simplismos de ocasião e recusando a agenda escondidas de vários empreendedores da memória, fora e dentro da academia. A Visa mundializada, fragmentada e oblíqua da Guerra que o livro propôs, feita de múltiplas experiências e perspectivas - a de Paul Wittgenstein (irmã de Ludwig), brilhante pianista amputado na guerra, a do General Mangin, responsavel Pela promoção do uso maciço dos tirailleurs senegaleses (e da "Force negra") e conhecido pelas suas tropas como "o açougueiro" -, constitui, em si, recusa de entrada de memória homogênea, sectária ou nacionalizada do conflito, do seu desenrolar e das suas consequencias. 

Nicolas Offenstadt é historiador e professor da Universidade Paris I Panthéon-Sorbonne, sendo autor de importante obra Les Fusillés de la Grande Guerre et la Mémoire Collective (1914-1999) (1999), que resgatou da obscuridade contemporâneo o debate sobre os fuzilados da Grande guerra, colocando o estudo do seu lugar na memória colectiva no centro do debate. Cerca de 2400 soldados franceses forame condenados à morte por deserção, desobediência, insurreição, abandono de posto e mutilação voluntária. 600 forame executados, "como exemplo" (Veja-se Fusillés pour l'exemplo, 1914-1915 de André Bach, de 2003), começando com Frédéric Henri Wolff, chefe de batalhão do 36 º Regimento de Infantaria Colonial, morto no dia 1 de Setembro de 1914 foi condenado, em nome da disciplina militar, por "tentativa de capitulação" e "incitação à fuga perante o inimigo". Mais recentemente, Offenstadt colaborou no Quelle Mémoire pour les fusillés de 1914-1918? Um point de vue história, relatório coordenado por Antoine Prost e entregue ao Ministério da Defesa (mais propriamente, ao Ministro delegado junto dos Antigos Combatentes). O problema da memória e da reabilitação dos fuzilados foi submetido a UMA apreciação crítica Sem precedentes. Nesta entrevista, Offenstadt resume o problema ea perspectiva da comissão encarregue de reflectir sobre esta importante questao. 

Membro destacado do Collectif de Recherche International et de debates sul a guerra de 1914-1918 e do Comité de Vigilance face aux Usage público de l'Histoire, Nicolas Offenstadt Ele tem pautado a sua actividade por umha promoção constante da vigilância crítica sobre os usos da história e da memória. Registem-se Dois exemplos. Primeiro, o L'Histoire Bling Bling. Le Retour du Roman National (2009), que revela os usos políticos da história durante o governo Sarkozy, Numa política da memória desenhado por Henri Guaino, e orientada para a Construção de Uma narrativa comum, higienizado, escrita e simplificada para "consumidores" de identidade nacional e positivo passado colonial francês. Talvez Portugal e seu império merecessem UM exercício semelhantes. A sucessão de Operaçõe recentes de revisionismo e higienização dos passados ​​e dos legados do colonialismo português, incluindo de seus momentos mais violentos, para Issos concorre. Em segundo lugar, o seu 14-18 Aujourd'hui La Grande Guerre dans la France Contemporaine (2010), que ilumina as Apropriações culturais e políticas da Guerra e da (s) sua (s) memória, questionando o sentido eo Objective de tais Operaçõe . O associativismo, os empreendedores da memória, o turismo da guerra e sua economia, ea instrumentalização política São analisados ​​com perspicácia crítica. Como escreve Lucien Febvre: "Uma história que serve é UMA história servil". Offenstadt mostra ter apreendido o sentido destas palavras-com espírito de missao. 

Por que você considera importante dar UMA Descrição multifacetada, umha espécie de mosaico, da Guerra, reconhecendo a pluralidade de perspectivas e vozes, alargando, e de facto globalizando, o enquadramento analítico do conflito? 
Quand temos a Grande Guerra através de UM trace único para construir umha grande narrativa, os riscos São múltiplos: foco nos acontecimentos políticos e militares, privilégio dos conflitos maiores, valorização de coerência que efetivamente Não existiram, caminhar sempre na mesma direcção. O mosaico permite evitar, em parte, êsse riscos, deixar Espaço para possibilidades diferentes e ainda a experiência humana mais numerosas. 

A estrutura do livro implica umha forma particularmente oblíqua de enfrentar a memória da I Guerra Mundial, procurando evitar a sua apropriação específica por grupos particulares. É variada, fragmentada e, dêsse modo, representativa. Este foi UM propósito central? 
Trata-se sobretudo de mostrar que as memórias da guerra Não São longos luto tranquilos mas questões marcadas por conflitos múltiplos: entre atores políticos, entre laicos e clericais, com rivalidades locais, regionais, etc Como a sua questao deixa subentender, trata-se tambem de insistir no caráter social da memória que se inscrevam nos grupos com passados ​​e objectivos variados, por vêzes muitas antigos (a Igreja, a Igreja), por vêzes novos, como os antigos combatentes de 14-18 e suas recém-criadas associações. 


Soldados franceses e ingleses em confraternização na Frente Ocidental COLECÇÃO PORTUGAL NA GRANDE GUERRA / Arquivo Histórico Militar 
Ness sentido, Qual é a importância da ênfase Pedagógica e didática nas formas pelas Quai tentamos recontar a história da Primeira Guerra Mundial? 
La Grande Guerre. Carteira du Centenaire é dirigidas a UM público francês (mas Não só) e tenta responder de facto a UM forte Interesse Social Pela Grande Guerra. Em França, a partir Existe umha trintena de anos as memórias de guerra é bastante ativa. Trata-se, verdadeiramente, de Uma prática social e cultural, com a criação de inúmeras obras em torno de 14-18: livros, ficção como história, filmes, banda desenhado, cancões; etc; grande atividade genealógica e de cor familiares, como um fio blogs e na internet, muitas comemorações, etc Num Trabalho sobre este aspecto, falei de UM "ativismo" 14-18. Para nós, o papel do historiador Não é de menosprezar êsse ativismo mas de acompanhá-lo a tentar dar-lhe os elementos de reflexão que saem dos conhecimentos básicos e intuitivos do saber comum para levar UM pouco dos trabalhos dos historiadores a UM Espaço público mais alargado , que este Assunta em França é muitas receptivo. Então, sim, ele irá umha verdadeira intenção Pedagógica, com o Objective de animar o Espaço público sobre a Grande Guerra. 

No meu ponto de vista, o Voss Trabalho Ele UMA característica muitas interessante e importante a vários níveis: evite centrar-se na narrativa nacional, neste caso, resiste ao fechamento na guerra francesa, o privilégio da experiência e do papel dos franceses. Por que você considera essa orientação UM ponto importante? 
Por duas razões: uma moral, a outra científica. A raça moral é a de participar da abertura internacional da ciência histórica, para lã de efectuar reflexos como cidadão. Os pontos de vista repetidos com frequencia [no Espaço público] raramente São fecundos. Quero ainda sustentar políticas de exclusão. A segunda é relativa à investigação histórica. A Grande Guerra é o mundo em três sentidos, cabelo menos: primeiro, cabelo seu impacto, com graus variados, no Conjunto dos continentes: a Grande Guerra toca a China, o Brasil ou a Nova-Caledónia, combate-se em África ... ; segundo, Pela imensa circulacão de Pessoa (soldados, Trabalhadores, populações deslocado), de UM país para outro, de UM continente para outro; terceiro, pêlos enquadramentos globais com os Quai o conflito interage: por exemplo, antes mesmo da entrada na guerra, as ligacões econômicas dos Estados Unidos com os Aliados era-me Já muitas importantes. 

Assim sendo, considera que o entendimento da guerra ainda é marcado por perspectivas e narrativas nacionais, e Pela atribuição de papéis excepcionais participantes particulares (franceses, Alemão, britânicos, etc)? 
Aqui devemos distinguir tanto os países como os tipos de atores. A carga nacionalista e patriótica do relato histórico é mais ou menos intensa. Em certos países, a história da Grande Guerra é UM episódio central no roman national [narrativa fortemente patriótica que valoriza a Construção histórica da NACA], por vêzes instrumentalmente invocada no presente, como sucede, por razões diferentes, nos países oriundos do desmantelamento do Bloco de Leste, na Rússia e na Sérvia. Aqui claramente nao ha separação entre solidificação do sentimento nacional, Hoje nacionalista, e comemoração. Atente-se na escrita da história por alguns: por exemplo, na Sérvia e na parte servia de Sarajevo, forame inauguradas estátua de Gavrilo Princip, o assassino nacionalista do arquiduque! Num genero mais aberto, na Austrália, a Grande Guerra está BEM no âmago da "epopeia nacional" porque o país combateu Pela primeira vez enquanto Estado federal. Nos estados democráticos, os historiadores São geralmente partidários de entrada de escrita da história Numa perspectiva global, Sem cair muito em questões meramente nacionais. Mas mesmo nestes casos nao é tao simples. Alguns historiadores ingleses, por exemplo, procuram recuperar a forca patriótica da guerra de 14-18. 

O patriotismo eo nacionalismo exacerbado de entao continuam activos nas formas como pensamos a I Guerra Mundial? 
Sim, absolutamente, como diss antes. Eles tomam formas diferentes segundo os países, mais ou menos explícitas, mais ou menos reacionárias, mais ou menos atentos à verdade histórica. O Centenário é, Ness ponto de vista, Um teste que devemos acompanhára com atencao. 

Numa entrevista recente, disse, em meu entender de modo certeiro, que UM dos riscos destas comemorações é alimentar as mitologias de unidade nacional: que todos apoiaram a guerra, nao existiam diferenciamos geracionais e divisões sociais. A contestação à guerra, os movimentos pacifistas e as deserções São aspectos frequentemente desvalorizados na NOSSA avaliação dêsses conflitos. Porquê? 
Ao nível dos dirigentes políticos, as comemorações inserem-se muitas vêzes Numa perspectiva utilitarista: num tempo em que o domínio dos atores políticos sobre os assuntos econômicos e sociais é limitado, as comemorações São UMA boa ocasião para produzir laços sociais (tanto nacionais, para os governos nacionais). Para que isso funcione, convem entao insistir, para alem da raça, sobre o que une mais do que sobre o que divide. Até mesmo o presidente da República em França, que nao é especialmente nacionalista, apresentou a vinda de tropas coloniais [para combater em contextos de guerra na Europa] como UM compromisso para com a França, Quand na realidade se sabe que foi sob o peso da coerção que elas forame mobilizadas. Mas no preciso momento em que a França intervem em África, é útil apresentar umha tal mitologia. Na mesma ocasião, o presidente misturou as duas guerras mundiais como se fôssem UM mesmo combate Pela liberdade, o que advém do roman national. 

O que pode efectuar para contrabalançar esta narrativa prevalecente? 
Os militantes da esquerda escolheram efectuar "contra" -comemorações. Quer dizer, efectuar comemorações frente a monumentos aos pacifistas mortos, cantar músicas anti-guerra durante as comemorações (como a Chanson de Craonne), até mesmo cobrir as estátuas dos generais. Certamente é umha outra forma de roman national, NEM sempre muitas rigorosa Numa perspectiva histórica, mas é interessante para recordar outras histórias de guerra. Tambem os artistas, cabelo menos em França, dá UM grande Espaço à recusa da guerra (na banda desenhado, nos romances). Parece-me que, por ocasião das comemorações, os historiadores Ele tambem UM papel a desempenhar para moderar as grandes narrativas nos meios de Comunicação Social. 

Foi UM ativo colaborador no Quelle Mémoire pour les Fusillés de 1914-1918? Um Point de Vue História, realizado cabelo grande historiador Antoine Prost. Tambem foi o autor do Les Fusillés de la Grande Guerre et la Mémoire Collective (1914-1999). Como você vê a reapreciação e reabilitação históricas daqueles que fôram vítimas da Justiça militar do tempo, dos seus fundamentos e abusos? 
É impressionante ver Essa questao, que tinhamos sido conduzida pêlos próprios antigos combatentes nos anos 20 e 30, tomou cada vez mais importância nas memórias de guerra em França, a partir dos anos 90 á de Sem dúvida várias explicações para êsse regresso, para Essa Presença: a importância dos usos políticos do passado na França contemporânea, o facto dos fuzilados aparecerem por vêzes como "vítimas" da guerra e, portanto, poderem simbolizar muitas ... 

Qual é a "solução da memória cultural e política" que a comissão propôs? 
A comissão Não tinhamos intenção de dar UMA solução definitiva para os debates da memória em torno dos fuzilados. Nós Não estamos Numa posição de "especialistas" que sabem tudo e receitam UMA solução. Mas temos descrito as diferentes possibilidades de tratamento da memória dêsse questões. Pareceu-nos que UMA solução de tipo político e cultural (discurso do chefe de Estado, exposições e museografia em torno dos fuzilados) era Sem dúvida mais fácil de colocar no lugar, do que aquelas do tipo Jurídico (reabertura de dossiers, e assim por diante) . Ela podia tambem mostrar-se mais durável do que umha lei ou UMA complicada medida administrativa. 

Recentemente organizou UMA estimulante conferência sobre o papel das tropas e das comunidades africanas na I Guerra Mundial. A conscrição militar obrigatório (nas testas europeia e "colonial") eo uso compulsório de Mao-de-obra africana forame Dois assuntos constantemente debatidos. Quai era-me os principais objectivos da conferência? 
A conferência tinhamos Três objectivos. O primeiro era científico: efectuar UMA síntese dos conhecimentos sobre as tropas coloniais das Quai se fala muitas superficialmente, mas que nao esta tao estudadas. Em segundo lugar, tratava-se de dar a conheçe as questões que referiu a UM público mais alargado que os universitários. O encontro foi aberto e tivemos várias centenas de Assistent. E os textos apresentados vao ser disseminados. Por FIM, havíamos UMA questao sobre a memória: no tempo do centenário, era necessario lembrar de como a dominação colonial era exercida sobre milhoes de súditos coloniais, em todos os impérios no momento particular da guerra. 

O que você acha que é fundamental sublinhar relativamente a este assunto? 
Acho que ser UMA questao de Espaço público, de política interna e externa, particularmente em França, a questao colonial Ele tem que ser iluminada por historiadores com conhecimentos sólidos. Pelo menos UMA questao de princípio, mesmo que com poucos efeitos Práticos. 

Alguns historiadores e Jornalistas defendem a existência de importantes legados e "lições" históricas oferecidos Pela história da Primeira Guerra Mundial que pódem ser úteis para a compreensão de acontecimentos contemporâneos. Qual é a sua opinião sobre isso? 
No Geral, eu Não creio de todo em "lições" da história. A única lição da história, como disse, mais ou menos, Desmond Tutu, é que nao existem lições da história. Em contrapartida, para mim, a Grande Guerra é UM terreno fértil para refletir sobre as questões do nacionalismo, sobre o que quer dizer construir umha sociedade ou ainda sobre a obediência ea desobediência ... 

Amanha: Celebrar a vitória em dia de derrota - Afinal a Quem Pertence as políticas da memória da I Guerra Mundial? Por Sílvia Correia, Professor do Instituto de História da Universidade Federal Rio de Janeiro / Investigadora do IHC / UNL